- Você viajou pelo mundo, percorreu as regiões mais diversas, conheceu gente de todas as partes. Arriscaria uma definição global, geral, da aventura humana?
Frédéric Rossif (FR): Diria talvez que o homem, em qualquer lugar, é um nômade do amor… Nessa breve luta que é nossa passagem sobre a terra, diante da imensidão do tempo, nós buscamos. Fazemos o percurso de um combatente em busca de quê? De alguns oásis – não para descansar, mas para tentarmos ser felizes. A característica do deserto é oferecer-nos miragens, sem nos devolver qualquer eco. Perseguimos então a miragem sempre mais distante, cada vez mais distante, sem jamais obtermos qualquer resposta. No final de tudo, alcançamos a miragem que, para alguns, é o paraíso; para outros, a paz eterna; para outros ainda, a morte biológica. A travessia da vida oferece alguns momentos de amor, que são, entretanto, oásis de felicidade, num deserto sempre indiferente. O importante é indagar, não é obter respostas.
- Você da fala da vida, do amor, da morte, como alguém que já esteve face a face com a morte…
FR: Foi no Irã, durante a filmagem de Óperas Selvagens. Estávamos seguindo uns lobos. Há magníficos lobos nas montanhas das fronteiras entre Irã e Iraque. Havíamos localizado um lobo com sua fêmea e seus filhotes, e as seguíamos de helicóptero. O lobo andou mais devagar, para incitar-nos a segui-lo e permitir que a fêmea e suas crias se salvassem. Eu disse: “Façamos o jogo dele, vamos ajudá-lo”. Passamos a segui-lo, deixando que a loba e os filhotes escapassem. É uma característica do lobo: sacrificar-se para salvar os outros. É um animal tímido e corajoso. Em certo momento, nosso lobo fez um brusco desvio. Para segui-lo, o helicóptero fez meia-volta e bateu na montanha. O motor rateou. Durante alguns segundos – três ou quatro, no máximo – tivemos um grande medo. O medo deve liberar no cérebro alguns elementos químicos que, ao se misturarem, estabelecem um estranho contato… Durante esses três segundos, vi a minha vida inteira desenrolar-se diante de mim, com incrível vagar e precisão. É uma outra percepção do tempo.
- A morte, assim como as borboletas multicoloridas, é o tema de um de seus filmes mais conhecidos, Morrer em Madrid.
FR: Morrer em Madrid já tem muito tempo. Esse filme foi bastante atacado quando estreou. Pela extrema-direita, naturalmente, mas também pela extrema-esquerda. Por todos aqueles que só vêem o claro e o escuro na vida. E que ignoram que, no pior dos canalhas, pode haver um esplendor de poesia que precisamos saber captar no momento exato. A verdade da vida, felizmente, é multicolorida. A sutileza e os contrastes das situações históricas são tamanhos que a história jamais se assemelha a uma ideologia.
- Não existem apenas o claro e o escuro, mas, mesmo assim, em alguns de seus filmes, há muito de escuro.
FR: É preciso tentar explicar o escuro mais escuro. Por exemplo, ao apresentar a ascensão do nazismo, expor a assustadora inflação: um pedaço de pão que valia bilhões de marcos. A humilhação também. Dizia Dostoiévski: “Quem sofre terrivelmente faz coisas terríveis”. Quando não consideramos a humilhação acumulada, é impossível compreendermos a aparição do nazismo há 50 anos – ou, atualmente, o problema do terrorismo. A humilhação é uma das coisas que fazem com que não se preste mais atenção à vida. Não apenas aceita-se arriscá-la, mas também não se lhe dá atenção. A humilhação é a impalpável estrutura que, há séculos, impede que os povos do Oriente e do Ocidente se encontrem.
- Dir-se-ia que, para você, comunicação é sinônimo de poesia…
FR: A comunicação do sonho, da imanência, é para nós cada vez mais necessária, cada vez mais indispensável. Mas deve-se logo acrescentar: ela só pode desenvolver-se num regime democrático. A democracia, como dizia Churchill, é o pior dos regimes, com exceção de todos os outros. A comunicação na democracia é a pior das comunicações, mas não há outra forma de se comunicar verdadeiramente. Simplesmente porque é necessária a dialética do sim e do não, da provocação e da resposta, que confere ao nosso discurso a justa medida, a parte do sol e da sombra.
- Que tem a dizer a quem o considera demasiadamente perdido nas nuvens da poesia, sem os pés na terra, enquanto o mundo está repleto de sofrimentos, dramas e convulsões?
FR: Não há ninguém mais realista que os poetas. Em 1936, Paul Eluard escreveu: “A Terra é azul como uma laranja”. Todos riram. Quando o primeiro engenho espacial americano, o Pioneer, fotografou a Terra, “viu-se”, que a terra parecia uma laranja azul. Eluard antecipara-se ao Pioneer! Somente os poetas são realistas. Eles vão ao essencial.
Isso me faz pensar numa entrevista que realizei com Mão Tse Tung. A última pergunta que lhe fiz era a seguinte: “Senhor Presidente, acredita que o comunismo tenha um futuro político na China?”. Ele me deu uma resposta negativa. Isso aconteceu no salão do Palácio dos Imperadores, na Cidade Proibida, repleto de imensas poltronas cobertas com capas brancas. Atrás de Mao estavam Lin Biao e Zhou Enlai. À resposta do Presidente, Lin Biao teve um sobressalto, Zhou Enlai manteve-se impassível – o que já demonstrava a diferença entre os dois.
Mao prosseguiu: “Sabe o que são, para nós, 250 ou 300 anos? Apenas um terço da era dos Tang… Os Tang reinaram neste país durante 1000 anos”. Essa resposta de Mao era sutil e bela. Creio que ele quis dizer-me: para você, ocidental, que é o futuro político? A próxima eleição? Para nós o futuro político são três séculos…
E pensei: que extraordinária contribuição à história e à cultura do mundo, ao conhecimento profundo dos homens e das coisas, a China liberada poderá oferecer, simultaneamente inspirada nos preceitos de Confúcio, do Tao, dos antigos poetas chineses, de Sun Yat Set e de Mao Tse Tung… Esse magnífico facho da história universal, há 5000 anos tão isolado do resto da humanidade, refulgirá então para nós, ofertando-nos sua memória como um inestimável tesouro perdido e finalmente reencontrado…
* “Entrevista – Frèdèric Rossif” In: CÓCCO, Maria Fernandes. ALP, 8 - análise, linguagem e pensamento: a diversidade de textos numa perspectiva socioconstrutivista. São Paulo: FTD, 1995.
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