Márcio Acserald*
Todo teórico que se preza busca uma teoria total, aquela que resolve todos os problemas, sendo superior a tudo o que já foi escrito e pensado até ele. Essa tendência hegeliana presente em boa parte do pensamento acadêmico produz generalizações de todos os matizes bem como afirmações pouco modestas como a do francês Guy Debord: "O primeiro mérito de uma teoria crítica exata é fazer parecerem rídiculas, de imediato, todas as demais". O Canadense Marshall McLuhan não é menos pretencioso. De sua pouco sistemática obra pinçam-se aqui e ali frases e expressões que caíram no gosto popular e tornaram-se chavões (do mesmo modo que aconteceu com os termos indústria cultural, simulacro, sociedade do espetáculo, etc). Encarar a expressão "aldeia global" como conceito traz alguns problemas interessantes. A expressão antecede as principais discussões acerca do papel da comunicação na pós-modernidade, tendo sido cunhada em pleno apogeu da sociedade de massa. A ferramenta mesma que McLuhan analisa é a televisão, mais do que o telefone, por exemplo. Neste sentido sua "aldeia" diz mais respeito à milhoes de pessoas sintonizadas via satélite a uma mesma mensagem do que ao mundo interconectado que hoje vislumbramos. Neste sentido a expressão é um tanto premonitória. Hoje, sim, graças a tecnologias apenas imagináveis nos anos 1960, teríamos a possibilidade de transformar o complexo planeta habitado por bilhões de pessoas diferentes, de culturas diferentes e falando línguas diferentes em uma única e mesma aldeia. Uma aldeia em que todos são diferentes, não iguais. O ideal de congraçamento universal não é novo. Desde o mito da torre de Babel passando pelo ideal iluminista de uma "civilizatas" mundial e pela criação do esperanto o homem busca superar as suas dificuldades e encontrar-se em uma situação de comunicação plena. Outras ferramentas antecederam a internet nesta busca, como livros, enciclopédias e jornais. O que falta a eles, no entanto, continua faltando à televisão e à rede mundial de computadores, a saber, todos estes instrumentos são meios, e como meios não são capazes de fazer o que só nós, usuários, podemos fazer. Transformar o mundo em uma aldeia global depende muito mais de força de vontade do que de recursos tecnológicos de comunicação. Interligar, sim. Mas para dizer o que? Afirmar que os meios de comunicação são extensões do homem, como fazia o canadense, não responde à questão ética fundamental: qual o uso que se faz destas extensões? Extensões do homem são (des)igualmente o lápis e o canhão. A se lamentar ainda o fato de que a consciência global em nossa era não venha tanto do salutar encontro com outro e do dialógo com a diferença, mas antes da melancólica situação em que o planeta se encontra, com o risco de autodestruição não tanto pela bomba atômica, que inaugurou a era da consciência global pela possibilidade de perda do planeta, mas pela ingerência dos donos do capital, que pensavam que poderiam sugar as energias da terra do mesmo modo que o fazem com a energia daqueles que se sujeitam a trabalhar para eles.
*Professor de Teoria da Comunicação da UNIFOR e da FA7. Doutor em Comunicação pela UFRJ.
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